Muitos alunos da rede pública não têm nota de matemática nem de física porque não tiveram aula dessas disciplinas.
Tiago dos Santos, de 15 anos, teve que fazer um trabalho de física, no primeiro ano do ensino médio de uma escola estadual em São Paulo. Como, em 2010, não teve nenhuma aula da matéria, apelou para internet.
“Eu não tenho a mínima idéia do que seja física”, diz o estudante.
Laine Lima, 14 anos, no Tocantins, enfrenta problema parecido.
“O professor de matemática era o mesmo professor de física. Aí saiu o professor de matemática e ficamos sem matemática e física”, conta a aluna.
O Fantástico percorreu as cinco regiões do país e constatou: nas escolas públicas brasileiras, falta gente para ensinar ciências exatas e biológicas, principalmente no ensino médio. Na semana passada, o Ministério da Educação (MEC) divulgou que esse nível de ensino foi o que se saiu pior no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, o Ideb.
O resultado é uma consequência do que governo já tinha apurado em 2008. Quando um levantamento do MEC mostrou um déficit de 240 mil professores da quinta série ao ensino médio. As áreas mais críticas eram, justamente, física, química e matemática. De 2008 até hoje, o governo vê algum avanço.
“Essa falta de professores começa a diminuir, mas ainda muito lentamente. Há hoje uma política muito estruturada para garantir que os jovens procurem as licenciaturas, para que os jovens se tornem professores”, diz a secretária de Educação Básica do MEC, Maria do Pilar Lacerda.
Para resolver o problema, os estados recorrem aos professores que não prestaram concurso, os chamados temporários.
Em São Paulo, por exemplo, há mais de 80 mil desses temporários. Segundo a Secretaria da Educação, são eles que darão as aulas de física que faltaram na escola de Tiago.
“Todas as aulas serão repostas e a reposição de aula para que não haja nenhum prejuízo no conteúdo vai ser efetuada aos sábados e fora do horário de aulas desses alunos”, explica o secretário-adjunto de Educação de São Paulo Guilherme Bueno.
Também no Sudeste, em uma escola estadual em Mesquita, na Baixada Fluminense, este ano, falta professor de química.
“A gente vai se formar, terminar o terceiro ano esse ano, ensino médio, tentar o Enem, vestibular, tudo. Agora a gente decide a nossa vida e a gente não tem uma base boa para isso, porque na escola falta professor”, reclama um estudante.
Em nota, a Secretaria de Educação do estado do Rio informou que existem carências provocadas por afastamentos de professores. Apesar de ter realizado concursos, ainda tem vagas para química, física, filosofia e sociologia.
Na região centro-oeste, em Novo Gama, a diretora de uma escola conta que 95% dos professores tem contratos temporários, e que já improvisou, teve de colocar professor de para lecionar disciplina na qual ele não era preparado.
“Isso aconteceu no caso do professor de ciência ir ministrar aula de matemática. Infelizmente acontece”, revela a diretora Jeania Cardoso.
Em nota, a Secretaria de Educação de Goiás admitiu que o déficit é de mais de 3,8 mil professores, principalmente em ciências e matemática.
Na região sul, em Porto Alegre, alguns cadernos estão vazios.
“Não tem nenhum exercício feito, não tem professor de matemática para fazer a lição”, reclama um aluno.
Ou melhor: não tinha. O Fantástico acompanhou a primeira aula de matemática do ano para a turma da primeira série do ensino médio de uma escola de Porto Alegre. Foi no fim de junho.
“A gente vai tentar resgatar todo esse conteúdo aí que vocês perderam, ressaltando o que é mais importante para que vocês não fiquem tão prejudicados”, diz o professor.
A Secretaria da Educação gaúcha disse, em nota, que a turma que ficou sem aula terá reposição em outros horários. O último concurso para professores, no estado, foi em 2005.
João Francisco dá aula de matemática em quatro escolas gaúchas. Por causa do salário baixo, às vezes pensa em buscar outro trabalho.
“Eu acredito que se eu tivesse oportunidade em alguma outra empresa talvez pudesse conciliar. Trabalhar nessa empresa, mas sempre com alguma turma, com certeza”, fala o professor.
Uma lei federal estipula o piso salarial de professores, por mês, em R$ 1024 para 30 horas semanais de aula. Mas, em muitos estados, o salário não chega a R$ 1 mil.
O presidente do movimento Todos Pela Educação, que reúne empresários e educadores, diz que melhorar o pagamento não é tudo: “Tem que ter carreira, a carreira que seja motivadora, baseada no mérito, no desempenho”, argumenta Mozart Neves Ramos.
E ele apresenta outro dado preocupante: “Somente 25% dos professores que estão ensinando física no Brasil de fato foram formados em física. Em química, 38%, isso é grave, porque a gente não sabe o que eles estão ensinando e como estão ensinando”, completa o educador.
Esse problema do professor que não é formado na matéria que ensina que já apareceu em Goiás se repete no Nordeste. Em Viana, Maranhão, Maurício Machado, de 17 anos, conta que isso aconteceu com sua mãe, professora de matemática.
“Chamaram ela na regional e queriam que ela desse outra matéria que ela não é formada. Por exemplo, biologia e outra como português”, diz Maurício.
O Fantástico visitou três escolas públicas de Viana, no interior do Maranhão. Em todas elas, faltam professores de várias disciplinas desde o início do ano. Apesar disso, notas até razoáveis brotaram no boletim de Luan Mendonça, de 17 anos.
“Eu não tinha professor no quarto bimestre e me apareceu um 7 ou 8 no meu boletim. Eu passei de anos sem saber nada de matemática”, reclama Luan.
A Secretaria de Educação do Maranhão reconhece que faltam mais de 1,2 mil professores de exatas e de ciências no estado. Segundo a nota, não há profissionais suficientes formados nessas áreas.
Na região norte, em São Miguel do Tocantins, os alunos estão sem física e matemática desde maio. No horário dos alunos do ensino médio que fica no mural, já dá para ver o déficit de matemática e física. A Secretaria de Educação de Tocantins diz que vai chamar os professores concursados do cadastro de reserva e que a reposição começa no início do segundo semestre.
Maria Clara Silva, de 16 anos, que tem espaços em branco no boletim em física e matemática, está descrente.
“Mesmo que venha em agosto, vai ser passado apenas um trabalho para recuperação da nota, e não vai ser suficiente principalmente para nós que vamos prestar vestibular”, reclama a aluna.
Segundo o MEC, física tem o maior déficit do país. Só sete mil professores se formaram entre 2001 e 2008. Números do governo, no entanto, mostram que começa a aumentar a quantidade de alunos em faculdades que formam professores no país, principalmente porque mais cursos foram criados.
“A prioridade é o professor, porque nenhuma mudança na educação acontecerá sem o professor ou contra o professor”, conclui Maria do Pilar Lacerda.
FONTE: http://fantastico.globo.com/Jornalismo/FANT/0,,MUL1605839-15605,00.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário